Não é de hoje que o discurso sobre o fim da pobreza vem assomando nas pautas dos dirigentes do mundo todo. Lula, o presidente do Brasil, é um dos que tem comandado o coro de vozes em torno do fim da fome, embora implemente, no seu país, políticas que só agravem a situação dos pobres. […]
Não é de hoje que o discurso sobre o fim da pobreza vem assomando nas pautas dos dirigentes do mundo todo. Lula, o presidente do Brasil, é um dos que tem comandado o coro de vozes em torno do fim da fome, embora implemente, no seu país, políticas que só agravem a situação dos pobres. Na semana do dia 4 de outubro, dois discursos, feitos em situações diferentes, mostraram as visões que, na verdade, se digladiam hoje no planeta. Nada mais, nada menos do que a velha luta de classes se explicitando.
A primeira fala saiu dos lábios de um dos homens fortes dos Estados Unidos, Collin Powell. Em visita ao Brasil, aonde veio forçar uma posição do governo Lula com relação ao Tratado de Livre Comércio, saiu-se com essa: «O comércio é muito importante para combater a pobreza e consolidar a democracia». A segunda visão é a do presidente da Venezuela, Hugo Chavez. No seu programa dominical, Alô Presidente, ele deixou bem claro seu projeto sobre como conduzir o povo de seu país ao fim da fome e da miséria. «Para acabar com a pobreza é preciso dar poder ao pobre».
Essas falas, aparentemente desconectadas, estão em combate. A semana em questão, até o dia 10, foi marcada por uma agressiva investida estadunidense nos países da América Latina visando fechar acordos bilaterais de livre comércio, já que a idéia da Alca anda um pouco desgastada pelos inúmeros protestos populares que acontecem em todos os rincões do centro e sul do mundo, além do México. Os EUA, incapazes de abrir mão da idéia de liberar as fronteiras dos países da América Latina para seus produtos, utilizam a boa tática da guerra de guerrilhas e vão tomando um a um os países, seja pela persuasão sedutora ou pela ameaça velada. A seguir assim, quando menos se der conta, toda a América baixa já estará anexada.
Presa nessa teia de formação enviesada da Alca está a Argentina, que ouve o FMI dizer que, para crescer, vai precisar aprovar o tratado de livre comércio, pagar a dívida, privatizar suas estatais e aumentar as tarifas púbicas. O governo fala duro na imprensa, mas, na prática, aceita a idéia de criar um comércio «mais equilibrado» para acabar com a pobreza. Na República Dominicana, um embaixador estadunidense também negocia o tratado de livre comércio, prometendo crescimento na indústria têxtil, desde que o país abra as fronteiras para a sua farinha. Caso se deixem vencer por esse trato, os governantes dominicanos estarão quebrando mais de 200 mil compatriotas que atuam no setor. A Nicarágua vive o mesmo processo de promessas de melhora no seu setor têxtil e há claros indícios de que o tratado com os EUA vá se consolidar a revelia da luta de seu povo.
Honduras e El Salvador também receberam visitas de representantes estadunidenses. Vivem pressões para a assinatura de acordos bilaterais sob a argumentação de que, assim, verão crescer suas economias dilapidadas. Em Honduras, para se ter uma idéia, os EUA são os maiores investidores e, em 2003, 90% das exportações do país foram para os Estados Unidos. Difícil escapar dessa teia.
No Peru, governo e empresários fazem, nessa semana, uma avaliação sobre os possíveis ganhos que poderão ter na área da agricultura e da propriedade intelectual. Esses dois setores já foram seduzidos. Na Colômbia, o presidente Uribe faz apelo ao povo para que aceite as reformas propostas por ele, quais sejam: reforma tributária e orçamentária. Todas duas dentro do receituário do FMI. No Brasil, a jogada de mestre veio através de Collin Powell. Com um discurso cheio de elogios à política de Lula, deu a entender que o Brasil poderia vir a ter assento no Conselho de Segurança da ONU porque é «uma democracia não nuclear». E foi mais longe. Disse que Lula está disposto a enviar tropas a outras partes do mundo para manter a paz e que tem posições responsáveis em relação ao comércio global. Por isso, as chances seriam muito grandes. Nesse jogo de sedução, vaidade e poder são as moedas de troca que os EUA vieram trazer para que o Brasil se curve ao livre comércio.
Mas, se os embaixadores estadunidenses voaram pela América inteira, as populações dos países envolvidos na disputa do «livre» comércio tampouco ficaram paradas esperando o pior. Em todas as terras da América Latina, prepara-se a luta contra a anexação. No dia 12 de outubro aconteceu a Jornada Continental Contra a Alca, tendo como bandeira um não sonoro ao livre comércio, à militarização e à Alca. Vários países fizeram atos e protestos. No Equador, os movimentos populares iniciam um processo de recolhimento de assinaturas, querem chegar a um milhão, exigindo uma consulta popular sobre o livre comércio. Lá, o governo está sendo pressionado pelos EUA a desistir de processos que move contra empresas transnacionais. Mais de 100 entidades participam do movimento «Equador decide».
O Peru também organiza um processo de consulta popular, visando levar informação ao povo. Na Colômbia, as centrais trabalhistas preparam um ato gigantesco contra a reforma da previdência, o aumento das tarifas pública e
a Alca. A ele devem juntar-se os caminhoneiros que estão em greve desde o 14 de setembro contra os altos preços dos combustíveis. A Bolívia realizou no 12 de outubro o III Encontro Boliviano Contra o Tratado de Livre Comércio. Na Guatemala, entidades populares denunciam o tratado, alegando que vai trazer ainda mais pobreza aos camponeses e a todo o país.
Mas, apesar de toda a luta das gentes oprimidas, a queda de braço é desigual. Os Estados Unidos mantêm os governantes num laço muito bem armado. Joga com a vaidade, com o poder, com a promessa de riquezas sem fim. Têm a força das armas e da sedução. Têm ainda, a seu favor, uma política econômica dependente em praticamente todos os países da América Latina. Nações
altamente endividadas e elites corruptas. Para todos esses personagens, o paradigma de Powell é o único aceitável: o comércio é o que pode acabar com a pobreza. Deles mesmo, é claro!!! Já para as gentes em luta, não dá para acreditar nas promessas de quem mente descaradamente, como foi o caso dos EUA em relação ao Iraque.
Na última semana, sem pejo, os observadores estadunidenses no Iraque disseram, no congresso de seu país, que não havia armas químicas n Iraque. Ou seja, um país inteiro foi destruído com base na mentira. Talvez, por isso, seja mais seguro seguir a máxima de Chavez. A pobreza só acaba se o povo tiver poder. É isso o que está em curso na Venezuela. As populações empobrecidas estão sendo protagonistas de sua história. E essa é a pobreza que deve acabar. Quando um povo assume o leme de seu destino, tudo pode mudar. É por isso que a luta segue, em todos os rincões. No combate, comércio para os ricos e poder para o povo.