A semana que passou foi marcada pelo grito de rebeldia que ecoou em toda a América Latina. É que o 12 de outubro, usado pela elites para comemorar a chegada de Cristóvão Colombo em São Domingos, foi re-significado pelas populações empobrecidas e oprimidas de todo o continente como um dia de protesto e de luta […]
A semana que passou foi marcada pelo grito de rebeldia que ecoou em toda a América Latina. É que o 12 de outubro, usado pela elites para comemorar a chegada de Cristóvão Colombo em São Domingos, foi re-significado pelas populações empobrecidas e oprimidas de todo o continente como um dia de protesto e de luta pela dignidade dos povos. O dia de mobilização, chamado de Jornada Continental contra o livre comércio, o pagamento da dívida externa, a militarização, a Alca e a OMC, foi organizado na Assembléia dos Movimentos Sociais realizada durante o Fórum Social das Américas, na cidade de Quito.
No Brasil a mobilização foi pequena, marcada apenas pela semana dos Sem-terrinha, dedicada às crianças do MST mas, nos países andinos e do norte da América do Sul, os protestos foram gigantescos até porque, na maioria deles, o governo dos EUA aperta o cerco para que sejam fechados os acordos bi-laterais de livre comércio, uma espécie de Alca aos pedaços.
Na Costa Rica mais de 30 mil pessoas saíram às ruas em protesto contra a corrupção e o livre comércio com os EUA. Também aconteceram atividades de luta na Guatemala, El Salvador e Honduras, contra o saque das riquezas nacionais. Na Nicarágua o grito dos excluídos incorporou a luta contra a privatização da água, em curso naquele país. Em Porto Rico, as organizações iniciaram uma campanha de esclarecimento sobre a Alca. A República Dominicana gritou contra a falta de moradia. No Panamá também houve campanha de conscientização sobre os males da Alca e do livre comércio. Na Colômbia, mais de 700 mil trabalhadores cruzaram os braços para protestar e 250 mil pessoas marcharam na capital Bogotá. Na Bolívia realizou-se um fórum de discussão sobre a militarização e o livre comércio com a participação de mais de 200 entidades. Na Argentina o ato foi cultural e reuniu centenas de pessoas em um parque da capital.
Assim, em cada canto da América Latina, os povos demonstraram seu descontentamento com as políticas neoliberais, ou neocoloniais, patrocinadas pelos Estados Unidos. Mas, apesar disso, a impressão que se têm é de que esses gritos de rebeldia caem no vazio. Os governos dos países estão surdos. Fecham seus ouvidos ao clamor das gentes. O único canto que parecem ouvir é o da sereia estadunidense que, segundo Heinz Dieterich, tem quatro estrofes bem claras. Militarizar a pátria grande, destruir sua soberania através da Carta Democrática Interamericana, apoderar-se da Amazônia e impor a Alca. Ou seja, é justamente tudo contra o qual lutam os povos.
E nesse cenário, qual é a correlação de forças que está colocada? Comunidades saem às ruas, gritam, protestam, fazem greve de fome. Parecem só ter o corpo como arma. Do outro lado, os governantes, parceiros das elites locais, ajoelham-se, servos de segundo escalão que também desfrutarão dos ganhos do poder. Unem-se aos propósitos governamentais dos EUA e também aos interesses das corporações. Basta lembrar o caso de um dos negociadores do Peru no acordo de livre comércio que, durante uma reunião em que deveria representar seu país e os interesses de sua gente, mudou de lado, passando a fazer parte da direção de uma grande empresa farmacêutica, certamente beneficiada com os acordos que estão em questão. Ficam, assim, os povos, reféns de governantes mal-intencionados, ou bem-intencionados, dependendo do ponto de vista.
Outro ponto que deve-se levar em consideração é a falta de informação. Quem, afinal, sabe o que acontece dentro dessas salas onde se negociam os destinos das gentes? Terá sido só esse funcionário peruano a se bandear? Quantos dos representantes governamentais que discutem o livre comércio não estarão representando interesses outros que não os de seu país? Até quando vamos tolerar reuniões secretas, sem transparência? Na Polônia, nos velhos tempos em que o sindicato Solidariedade era uma força poderosa, bem antes de Lesh Walesa ter sido presidente, havia um microfone em todas as reuniões de negociação, e nas fábricas, todos podiam acompanhar de viva voz o que estava sendo discutido e negociado. Qual é força que tem as populações de seu país para exigir que isso aconteça? Este é um ponto a ser discutido pelos movimentos em luta.
Na semana de 25 a 29 de outubro, a cidade de Guayaquil, no Equador, vai sediar a V Rodada de Negociações do Tratado de Livre Comércio com os EUA. Surdos, os governos não levam em consideração o grito das ruas. As tratativas seguem a todo vapor, com cada país querendo incluir seus setores exportadores no processo, seguindo com a prática de dependência histórica. Um triste exemplo desta política é o próprio Brasil que, esta semana, teve os transgênicos liberados via medida provisória, medida autoritária de um governo que evita dialogar com seu povo. Nas ruas, gritam as pessoas reais, exigindo informação, cuidado, respeito à vida, enquanto nos gabinetes cuida-se apenas dos lucros dos agro-exportadores. Pouco importam as vidas perdidas, o que vale é o dinheiro no banco, de preferência, na Suíça.