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Justiça define que aposentados devem pagar

Fuentes: Rebelión

A cena é revestida de toda a pompa. O lugar é luxuoso. Cadeiras de couro em tom areia compõem o cenário do auditório. Numa parte mais elevada, forrada com carpete, também no tom areia, estão as cadeiras dos ministros. Cada assento dispõe de um computador e muitos livros onde, certamente, estão as leis que regem […]

A cena é revestida de toda a pompa. O lugar é luxuoso. Cadeiras de couro em tom areia compõem o cenário do auditório. Numa parte mais elevada, forrada com carpete, também no tom areia, estão as cadeiras dos ministros. Cada assento dispõe de um computador e muitos livros onde, certamente, estão as leis que regem o país. Atrás de cada cadeira há um valete, que atende pessoalmente cada ministro. Todos eles vestem uma espécie de estola, até mesmo as garotas que fazem a taquigrafia. Parecem coroinhas.

Então, é vez dos ministros. Vestem longas togas negras e entram em fila indiana. Há uma certa solenidade que lembra um templo. É a justiça revestida de caráter sagrado, com todos os seus rituais. A platéia, composta na sua maioria por homens e mulheres aposentados, fica, por instantes, em silêncio. Depois, como que comandada por esse tom de divido, se desfaz em palmas, saudando os ministros. Ao assumir o comando da cerimônia, Nelson Jobim, o sacerdote-mor, diz em tom neutro. «Aqui não são admitidas palmas. Silêncio absoluto.» O povo se cala, amuado. É como um sinal de que o que vai acontecer ali não vai ser nada bom.

O auditório (ou templo?) está lotado. Pessoas de bastante idade. Velhos de todos os lugares do Brasil. Gente que veio buscar o último reduto para o sossego de suas dores: a justiça do STF. Povo que já contribuiu com a previdência pela vida inteira e que, agora, advoga o direito de não pagar mais. Os rostos enrugados estão ansiosos. Alguns pestanejam. O lugar é abafado e a voz monocórdia dos ministros, com leituras intermináveis de leis, vai causando sonolência, torpor.

Vez ou outra eles se entreolham. Percebem pelo discurso que aquele voto não vai ser favorável. Suspiram, remexem, nervosos, as mãos. Sabem, cada um deles, que o governo fez pressão sobre todos os ministros, mas ainda têm uma certa esperança no que chamam de justiça. Acreditam que o político não vai se sobrepor. Resmungam que o valor em dinheiro, da contribuição deles, não passa de pouco mais de um bilhão, quantia irrisória se pensarmos de que o governo paga, por ano, só de juros da dívida externa, mais de 154 bilhões. O dinheiro deles é gota d´água para o governo, mas fundamental no dia-a-dia que quem muito já trabalhou.

Os ministros vão narrando seus votos. Falam palavras bonitas. Dizem que os que já contribuíram devem seguir fazendo isso para ajudar os que estão entrando. Que isso é solidariedade. Os aposentados espremidos no salão se entreolham, estupefatos. A coisa não vai ser boa. Outro fala da necessidade de dinheiro para a saúde e educação. Sofismas. Desolados, muitos dos que estão no auditório vão saindo. Morte anunciada.

Não dá outra. Ao final da votação, os sacerdotes, representantes da divina justiça, dão o veredicto: culpados!!!! Aposentados de todo o país devem, solidariamente, custear a educação e a saúde de todo o povo. Certamente a situação de precariedade dessas áreas é culpa deles. Óbvio!!! Então, que paguem. Sete votos garantem a vitória do governo. Apenas quatro ministros votam pela inconstitucionalidade. Ellen Gracie, Celso de Mello, Carlos Britto e Marco Aurélio.

Já é noite quando os velhos do Brasil deixam o pomposo prédio do STF. Vão cabisbaixos, alguns choram. Impassível, a estátua da Justiça os vê passar. Está cega e carrega uma espada. Cortante espada que agora vai doer nas costas de todos aqueles que dão sua vida pelo país. Os ministros, «destogados», saem por outra porta. Vão jantar, certamente. Os velhos vão pegar ônibus de volta para seus estados. Sem champanhe, sem banquete. Deverão custear a saúde e a educação, assim como a CPMF já o fez, lembram???

* Jornalista – Observatório da América Latina da Universidade Federal de Santa Catarina