Enquanto boa parte das gentes assiste tranqüila a novela das oito, lá no Equador, agentes estadunidenses, governamentais e privados, tramam, com a cumplicidade dos governos locais, mais um grande golpe contra a vida da população latina. Trata-se da V Rodada de Negociações do Tratado de Livre Comércio entre os EUA e os países andinos. A […]
Enquanto boa parte das gentes assiste tranqüila a novela das oito, lá no Equador, agentes estadunidenses, governamentais e privados, tramam, com a cumplicidade dos governos locais, mais um grande golpe contra a vida da população latina. Trata-se da V Rodada de Negociações do Tratado de Livre Comércio entre os EUA e os países andinos. A idéia é simples. Enquanto não é possível fazer acontecer a ALCA, na sua totalidade, o grande capital vai comendo pelas beiradas, fazendo acordos bi, tri ou multilaterias, até que tudo esteja dominado.
O Chile já está preso na rede assim como muitos países do Caribe, com exceção de Cuba. Agora está sendo a vez do bloco andino e nesta rodada, que acontece em Guayaquil, Equador, o que está em jogo é a saúde da população. É bom lembrar que países como Colômbia, Equador e Peru têm um índice bastante elevado de populações empobrecidas, inclusive com comunidades indígenas absolutamente excluídas de qualquer possibilidade de vida digna.
Pois o que está ateando fogo ao debate da V Rodada é o ponto que diz respeito a propriedade intelectual. Com um grupo de negociadores marcadamente da indústria farmacêutica, os estadunidenses mantém firme a convicção de que podem e devem patentear as plantas e os animais dos países periféricos. Além disso, querem medidas de restrição para apelação de patentes e modificações nas salvaguardas em caso de emergência. Também exigem que seja restrito o uso das fórmulas medicinais, fazendo assim com que a possibilidade de fabricação de genéricos seja atrasada em até 10 anos.
Os governantes que estão na mesa, desgraçadamente, agem como serviçais. Dizem aos jornalistas que as medidas são duras mas que há a possibilidade de alguma flexibilização e tudo pode se ajeitar. O presidente peruano, por exemplo, chegou a declarar que é certo que vai haver desequilíbrios mas «não se pode sacrificar os setores que serão beneficiados». Ou seja, sacrifica-se o povo em vez de os empresários, é claro!
Caso as medidas leoninas dos estadunidenes passem, os povos andinos estarão entregando sua fauna e flora às grandes empresas farmacêuticas e correrão o risco de ver seus remédios milenares e tradicionais patenteados por algum laboratório estrangeiro. O conhecimento ancestral das populações indígenas serão entregues sem dó, para que as empresas não se sacrifiquem. Que sejam outros os cordeiros.
Mas, os sacrificados não estão amarrados. Eles gritam. Apesar de uma praticamente invencível barreira policial em torno do Hotel Hilton, onde estão acontecendo as reuniões, manifestantes de todas as cores protestam e lutam para que o acordo não aconteça. Indígenas, sindicalistas, estudantes, políticos fazem uma rodada alternativa na Universidade de Guayaquil, onde discutem formas de luta. Marchas acorrem às imediações do hotel todos os dias. Ninguém quer ser imolado. As populações dos países andinos não querem o acordo. No Equador, busca-se colher mais de um milhão de assinaturas contra qualquer medida que venha trazer prejuízo à soberania da nação. A peleia é grande, embora a mídia, de forma geral dê muito pouca visibilidade para os protestos e para a própria discussão. No mais das vezes o destaque é sempre para os benefícios econômicos que virão. O que ninguém diz é que os benefícios serão unicamente para as empresas.
Como a questão da propriedade industrial é bastante complexa e está havendo um embate, a expectativa é de que haja ainda mais duas rodadas de negociação. As eleições nos EUA também estão colocando um certo freio, embora ninguém tenha dúvidas de que com Kerry ou Bush tudo siga igual. Pode mudar algum aspecto formal mas os interesses serão os mesmos. O certo é que a pressão para fechar o acordo nos andes é grande e vai ser um passo a mais na consolidação da Alca. Com isso acertado, os gringos passarão a centrar o foco nos países do sul, fechando o círculo de controle e neocolonização. Hoje é a vez do Equador, Peru e Colômbia, amanhã seremos nós. Daí a necessidade de estar atento, discutir e pressionar os governos para que não sejam capachos das multinacionais. É preciso vigilância e luta. O espectro da Alca já é praticamente visível. Cabe aos povos não deixar que vingue. No Equador, a luta está bonita. No Brasil, ainda há quem acredite que o acordo de livre comércio é bom. De fato! É bom, mas apenas para alguns empresários. Para o povo, certamente não. Como nos andes, serão os empobrecidos os que irão para o altar do sacrifício.