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TLC prepara o golpe fatal da Alca

Fuentes: Rebelión

Contribuição apresentada no Fórum Social das Américas, em Quito (Equador), julho de 2004. «A América para os americanos. Ora, eu proporia com prazer um aditamento: para os americanos, sim senhor, mas bem entendido, para os americanos do norte. Comecemos pelo nosso caro vizinho, o México, de quem já comemos um bocado em 1848. Tomemo-lo. A […]

Contribuição apresentada no Fórum Social das Américas, em Quito (Equador), julho de 2004.

«A América para os americanos. Ora, eu proporia com prazer um aditamento: para os americanos, sim senhor, mas bem entendido, para os americanos do norte. Comecemos pelo nosso caro vizinho, o México, de quem já comemos um bocado em 1848. Tomemo-lo. A América Central virá depois, abrindo o nosso apetite para quando chegar a vez da América do Sul. Olhando para o mapa, vemos que aquele continente tem a forma de um presunto. O Tio Sam é bom de garfo: há de devorar este presunto. Isto é fatal, isto é apenas uma questão de tempo». Discurso de William Evarts, secretário de Estado dos EUA, em reunião com financistas de Nova York, referindo-se à famosa Doutrina Monroe, apresentada em mensagem ao Congresso Nacional pelo presidente norte-americano James Monroe em dezembro de 1823.

«Não está muito longe o dia em que o hemisfério será nosso em sua totalidade, como de direito já o é em virtude da superioridade da nossa raça». Robert Taft, presidente dos EUA (1909-1913).

Ao mesmo tempo em que o torturador George Bush ocupa militarmente vários países e bombardeia povos indefesos, o seu serviço diplomático percorre o planeta transacionando «acordos de livre comércio» que visam garantir a supremacia econômica e geopolítica dos EUA. Desta forma, o imperialismo ianque tenta realizar o antigo sonho acalentado pela agressiva Doutrina Monroe. Essa cruzada expansionista ocorre em nível global, mas é mais implacável no continente latino-americano. Em nosso território, o governo Bush busca criar uma reserva de mercado para as poderosas corporações empresariais estadunidenses e, com isso, adquirir vantagens competitivas na guerra comercial contra os concorrentes europeus e asiáticos.

O objeto de desejo do império do mal, orquestrado pela I Cúpula de Miami, em dezembro de 1994, é a edificação da Área de Livre Comércio das Américas, a famigerada Alca. Com isto, todo nosso continente passaria a ser uma extensão territorial dos EUA, num novo e selvagem colonialismo. Mas para atingir esta meta mais ambiciosa, o imperialismo estadunidense usa vários estratagemas, manobras e chantagens. Ele procura ir comendo pelas bordas, fragilizando as nações resistentes. O Nafta (North American Free Trade Agrement), em vigor desde 1994, já é um poderoso aríete da Alca. E agora, visando superar obstáculos, os EUA apostam as fichas nos tratados bilaterais (TLCs) como recurso tático para dar o golpe fatal da Alca.

CONCORRÊNCIA DESLEAL

Os TLCs são uma farsa no próprio nome. Em primeiro lugar porque é inimaginável a existência de livre comércio entre nações tão assimétricas. Os EUA sozinhos, como potência hegemônica mundial, detêm 75,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do continente. Excetuando-se Canadá, México, Brasil e Argentina, o restante dos países da região responde por 1% ou menos do PIB hemisférico. Além disso, os EUA estão na vanguarda tecnológica – sendo de 110 vezes a diferença entre a concessão de patentes para este país e para a média das nações do Mercosul – e dispõem de impenetráveis barreiras protecionistas para defender o seu mercado. O «livre» é um mero discurso ideológico para manipular corações e mentes!

No caso do Equador, sede deste grito de resistência do Fórum Social das Américas, as desigualdades são abissais. «O PIB dos EUA no ano 2000 alcançava 8,9 bilhões de dólares, enquanto o do Equador neste mesmo ano era de 13,6 milhões de dólares. As cifras relacionadas indicam que o tamanho da economia dos EUA era 654 vezes maior do que a equatoriana. Já a produtividade média dos EUA é de US$ 30 por hora/trabalhador, enquanto no Equador se estima que ela seja ao redor de 80 centavos de dólar, cifra que permite observar que a produtividade dos EUA é quase 35 vezes superior ao do Equador» [1]. Um tratado unilateral com os EUA, como quer o vira-casaca Lúcio Gutiérrez, levaria à devastação total do Equador!

Em segundo lugar, porque o TLC não trata apenas das relações comerciais. A exemplo do já aplicado no Nafta, do proposto pela Alca e das normas negociadas na OMC, estes tratados abrangem todos os setores da economia: investimentos, serviços, compras governamentais, patentes, etc. Na prática, como comprova um intelectual equatoriano, os TLCs «buscam, sobre todas as coisas, consolidar a hegemonia da potência unipolar nas esferas produtiva, comercial, financeira, científica, tecnológica, ambiental, ideológica, legal e institucional nos territórios que se estendem do Alasca ao Cabo de Hornos, na perspectiva de se contrapor a crescente influência na região da União Européia e dos gigantes asiáticos. Eles comportam esquemas para assegurar a liberdade de movimento e os máximos lucros para as corporações estadunidenses» [2].

Apesar de ofuscado pela ditadura midiática, que procura esconder os horrores da TLC, esse escopo ficou explícito na declaração final do encontro de ministros de Miami, em novembro passado: «As negociações incluirão dispositivos nas seguintes áreas: acesso aos mercados, agricultura, serviços, inversões, compras do setor público, propriedade intelectual, políticas de competência, subsídios, antidumping e solução de controvérsias». Esta ambição também aparece, toda despudorada, nas declarações do principal negociador dos EUA, Robert Zoellick. «O TLC permitirá discutir os impedimentos ao comércio e aos investimentos nos países andinos, incluídos a inadequada proteção aos direitos de propriedade intelectual, as altas tarifas alfandegárias em produtos agrícolas, práticas de restrição de licenças, o trato discriminatório relacionado às inversões e as limitações para o acesso de provedores de serviços». O apetite imperialista é insaciável!

Nesta mesma declaração ao Congresso dos EUA, em que Zoellick descreve os 39 objetivos cobiçados nas negociações com os países andinos, como exceção da Venezuela, ainda fica visível a postura arrogante do império do mal. «Manter por um tempo a cobrança de tarifas quando os produtos andinos ameacem a indústria dos EUA; seguir aplicando mecanismos de retaliação; que os andinos protejam as patentes como o fazem as leis estadunidenses; eliminar as barreiras sanitárias e fitosanitárias (dos andinos); eliminar as práticas governamentais que prejudiquem exportações dos EUA; desmontar as barreiras administrativas e aduaneiras; acesso total aos têxteis e roupas dos EUA; comprometer-se em apoiar a campanha dos EUA na OMC contra os subsídios agrícolas (dos europeus)». A lista de exigências é enorme e dantesca [3].

DIVIDIR PARA REINAR

Este breve relato confirma que todas as repugnantes normas do chamado «livre comércio» visam apenas e unicamente ampliar o domínio e o saque das potencias imperialistas sobre as nações periféricas. Não há qualquer intento filantrópico ou integrador nestes tratados. Nafta, Alca, OMC e TLCs são engrenagens da mesma estratégia colonialista, a serviço das corporações empresariais e da oligarquia financeira. Como explica Peter Rosset, elas fazem parte do mesmo complô expansionista. «Os EUA acossam os governos de cada país; o que não pode obter nas negociações da Alca, ele tenta ganhar na OMC; o que ele não pode alcançar nestes fóruns, ele busca atingir através das negociações regional ou bilateral» [4].

Cada recurso é usado de acordo com as necessidades conjunturais e com o jogo de interesses antagônicos das nações imperialistas. Diante das eleições nos EUA em novembro, o governo terrorista de George W. Bush aguarda o melhor momento para retomar a ofensiva da Alca. Neste interregno, investe na assinatura de tratados bilaterais como um aríete para isolar as nações mais reticentes. Alguns destes TLCs, firmados com países frágeis e com economias totalmente escancaradas, não têm qualquer finalidade econômica. Na verdade, eles possuem razões geopolíticas; visam, principalmente, evitar a verdadeira integração latino-americana; em última instância, objetivam sabotar o belo sonho de Simon Bolívar da «Pátria Grande».

Diante da crescente resistência dos povos, que promovem protestos de rua e plebiscitos em vários países, e também da existência de governos mais reticentes, que adotam políticas externas mais ativas em defesa da sua soberania, o império do mal manobra descaradamente. A bola da vez do imperialismo é o governo de Hugo Chávez, que realiza uma experiência sui generis e avançada de enfrentamento ao neoliberalismo e, por isso, é motivo de golpes fascistas, locautes patronais e várias sabotagens – todas tramadas pelos serviços de inteligência ianque. Mas também o Brasil, dirigido pelo presidente-operário Lula, e a rebelde Argentina, hoje governada por Nestor Kirchner, não inspiram a total confiança do torturador Bush e são pedras no caminho dos seus projetos de anexação. Isto para não falar na sempre heróica e exemplar Cuba!

É neste contexto, carregado de contradições e vacilações, que os TLCs surgem como o principal recurso da atualidade. Isto não significa o abandono do seu projeto mais cobiçado. «Os EUA insistem e trabalham para lograr a definitiva anexação de nossos países com a assinatura da Alca em 2005; mas, para tanto, eles firmam tratados de comércio bilaterais ou por região que preparam o caminho para o saque final», alerta Jorge Benedetti [5]. Isto explica o ritmo acelerado das negociações bilaterais no último período. Em 2002, foi concluído o TLC com o Chile; em 2003, nasceu o Cafta, incluindo Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua; em 2004, avançaram as tratativas com Panamá, Republica Dominicana e países andinos (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru); afora os TLCs firmados pelos EUA em outros continentes!

Nestas negociações alucinantes, o império do mal usa a técnica do dividir para reinar, conhecida no jargão diplomático como «liberalização competitiva». Ela foi anunciada ainda durante a campanha republicana à presidência, em 2000, pelo atual Representante do Comércio dos EUA (USTR), Robert Zoellick. Segundo um excelente estudo recente da Universidade de Campinas (Unicamp/SP), esta tática maquiavélica obtém êxito ao «pôr parceiros comerciais em competição para entregaram concessões exigidas para obter acesso privilegiado ao mercado estadunidense, por meio da proliferação rápida de acordos bilaterais rivais» [6].

Esta técnica é executada através de ameaças e chantagens das mais abjetas, jogando «parceiros comerciais uns contra os outros» para forçá-los «a aceitar os padrões de referência na liberalização que consagram as concessões mútuas mais desequilibradas do que nos equilíbrios multilaterais». Ainda de acordo com este estudo, só os EUA obtêm vantagens no TLC firmado fora dos marcos da OMC. «Uma vantagem evidente de aprofundar negociações sub-OMC é buscar ganhos OMC-plus. Neste caso, os interesses ofensivos incluem mas vão muito além do acesso a mercados, visando também regulamentar temas como proteção a investimento, abertura do setor de serviços, licitação de compras governamentais e respeito à propriedade intelectual, sempre de maneira OMC-plus, mais abrangente, profunda e detalhada do que na OMC».

BLOCO REGIONAL

Diante do grave risco à soberania dos nossos povos, hoje ainda mais ameaçada com as variadas formas de tratados colonialistas de «livre comércio», torna-se urgente a unidade latino-americana. O Fórum Social das Américas é uma poderosa alavanca neste sentido. Mas não basta mais apenas a denúncia dos intentos destrutivos e regressivos do imperialismo ianque. É preciso dar novos passos na construção da verdadeira integração dos nossos povos. Urge caminhar da resistência para a alternativa. Divididos e apartados, cada nação terá maiores dificuldades para resistir às manobras, às pressões e às armadilhas do império do mal. A nossa resposta deve ser cada vez mais internacionalista, cada vez mais latino-americana!

Caso contrário, como sinaliza outro estudo, os EUA serão invencíveis. A nossa desunião impulsionará «a estratégia norte-americana de ir tecendo com rapidez um tentáculo de tratados bilaterais ou regionais que debilitem as posições dos países em desenvolvimento no marco das ditas negociações multilaterais e de ir isolando os países mais beligerantes, enquanto fortalece as tendências centrifugas que tendem a aceitação das pressões das corporações empresariais… As normas (dos TLCs) visam ter validez absoluta e universal sobre qualquer marco constitucional, passando por cima do interesse público, do direito social, do direito humano e até da existência do Estado Nacional… Ao menos nos próximos 50 anos, somente serão eleitos administradores de um marco semi-colonial rígido e inamovível, sem nenhum direito democrático» [7].

A constituição de um bloco regional, que unifique os povos e nações latino-americanas, é hoje questão de sobrevivência, de vida ou morte! O reforço do Mercosul e a sua ampliação com a comunidade andina e os demais países da região é um anteparo às pressões do agressivo imperialismo estadunidense. A vitória do não no referendo de 15 de agosto na Venezuela servirá de impulso ao projeto de integração no continente; evidenciará que existem, sim, alternativas ao projeto neoliberal; representará dura derrota do império! A construção de nações soberanas, democráticas e justas, exigida em milhares de protestos no continente e já expressa nas urnas de algumas nações, requer a urgente integração dos povos latino-americanos!

NOTAS

1- Guillermo Navarro Jiménez. «Por qué debemos oponermos al TLC en el Ecuador».

2- René Baez. «Ecuador-EE.UU-TLC: La ‘otra’ guerra de Washington».

3- «El TLC bilateral Ecuador-EE.UU: oculta demasiado». ALAI, fevereiro de 2004.

4- Peter Rosset. «TLCAN, Alca y OMC: un solo frente».

5- Jorge Benedetti. «Tratados de ‘libre comercio’ preparan el golpe final del Alca».

6- Pedro Paulo Zahluth Bastos. «A política comercial estadunidense: a estratégia da liberalização competitiva, os acordos bilaterais e a Alca». Revista Política Internacional-Análise Estratégica. Unicamp.

7- Adolfo José Acevedo Vogi. «El TLC como marco regulatorio supra-constitucional y supra-democratico».

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro «Para entender e combater a Alca» (Editora Anita Garibaldi).