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Contribuição do município de Évora para a mudança social na região e no país

Fuentes: resistir.info

É oportuno assinalar que a cidade de Évora tem tido uma dimensão política relevante ao longo de toda a história de Portugal. Chegou a ser a segunda cidade do reino, com longas permanências da corte real, nos séculos XV e XVI e nela foi fundada a segunda universidade do país. Situada numa zona de latifúndio […]

É oportuno assinalar que a cidade de Évora tem tido uma dimensão política relevante ao longo de toda a história de Portugal. Chegou a ser a segunda cidade do reino, com longas permanências da corte real, nos séculos XV e XVI e nela foi fundada a segunda universidade do país. Situada numa zona de latifúndio e de culturas extensivas, nela se concentrou, desde cedo, o poder dos lavradores terra-tenentes, com grande influência na governação do país, até ao final do regime fascista.

Foi precisamente na região que tem Évora como centro, o Alentejo, que com a Revolução do 25 de Abril se deu uma das maiores transformações da sociedade portuguesa: a Reforma Agrária (RA). Foram afastados os proprietários latifundiários e as terras foram ocupadas e geridas autonomamente pelo operariado agrícola, sob a forma de Unidades Colectivas de Produção (UCPs) e Cooperativas.

Auto-gerindo a sua força de trabalho e os meios de produção, os assalariados rurais realizaram 12 Conferências da RA onde debatiam os seus problemas organizacionais e as orientações gerais de programação das produções e diversidade de culturas, empenharam-se em grandes jornadas de trabalho solidário, implementaram a igualdade salarial entre homens e mulheres, criaram estruturas de apoio à criança no mundo rural, criaram cooperativas de consumo, iniciaram o escoamento dos seus produtos criando, em Évora, com o apoio da autarquia, um mercado da Reforma Agrária. Entretanto, conseguiram as maiores produções de sempre na região, com 70.000 trabalhadores organizados em 550 unidades de produção que ocuparam cerca de 1.150.000 ha., pouco mais de um terço do total da área agrícola da zona de intervenção que a legislação contemplou como passível de ser «nacionalizada».

A contra-revolução e o retrocesso da vivência democrática

Sucessivos governos do Partido Socialista (PS) e do Partido Social-democrata (PSD), durante mais de 10 anos produziram legislação gravosa e normativos avulsos e casuais que foram retirando aos trabalhadores as melhores terras, gados, meios de produção e colheitas, entregando-os aos antigos latifundiários, até asfixiarem completamente a Reforma Agrária, uma das mais belas conquistas de Abril.

Em Évora, enquanto no fascismo o poder administrativo era exercido e totalmente influenciado pelos proprietários das terras, a partir da Revolução de Abril passou a ser exercido por eleitos em sufrágio universal e directo, constituindo o Poder Local Democrático, outra grande conquista da Revolução dos Cravos.

Foi tal a dimensão e a abrangência política desta conquista da Revolução no município de Évora que a maioria da população, quer a da cidade, maioritariamente de pequena e média burguesia, quer a das freguesias rurais, optou pela apoio eleitoral à única força político-partidária que assumiu a defesa intransigente da Reforma Agrária – o Partido Comunista Português (PCP). As primeiras eleições democráticas, realizadas em 1976, foram ganhas com maioria relativa por uma coligação liderada pelo PCP. Inconformados, a meio desse primeiro mandato, todos os eleitos do PS e do PSD resignaram aos seus lugares na autarquia, provocando eleições intercalares com o objectivo de retirar a maioria aos comunistas. Dá-se exactamente o contrário: os comunistas e seus aliados passaram a ter a maioria absoluta na câmara municipal, maioria, essa, que se manteve por mais 23 anos.

A postura política dos eleitos comunistas não deixou dúvidas a ninguém quanto ao seu apoio à RA, (conquista, aliás, consagrada na Constituição da República Portuguesa), sempre ao lado dos trabalhadores agrícolas, na luta pela consolidação desta importante conquista da revolução.

Os direitos de cidadania foram sendo assumidos pelos trabalhadores à medida que eram chamados a intervir na vida pública, a responsabilizar-se por organizações de base, a participar nos órgãos autárquicos; simultaneamente, os resultados do trabalho colectivo permitiu-lhes melhorem as condições de vida e fruir a vida social e cultural da sua comunidade e do município, sem discriminações nem privilégios de qualquer espécie.

Pela primeira vez, os trabalhadores passaram a utilizar os palácios, os teatros, os edifícios municipais para a realização das suas iniciativas. As colectividades culturais, sociais, desportivas e recreativas passaram a relacionar-se entre si numa atitude de respeito e solidariedade, quando antes as rivalidades e divergências em resultado das diferenças de classe e de privilégios eram notórias.

A autarquia assegurou sempre o respeito pelas leis vigentes, por todas as instituições públicas e particulares e manteve, escrupulosamente, um relacionamento «aberto» com todos os cidadãos, sem qualquer distinção de credo, fortuna, ou estatuto social. No entanto, as opções políticas da autarquia eram claras quanto à prioridade à habitação dos trabalhadores e das famílias carenciadas, particularmente na oferta de terrenos para autoconstrução a preços altamente subsidiados em função do rendimento do agregado familiar, ao mesmo tempo que eram lançadas as infra estruturas básicas, de água, esgotos e electricidade, e os principais arruamentos, nos bairros de génese clandestina que nas últimas décadas do período fascista tinham crescido em torno do centro histórico da cidade.

Todo este processo de recuperação dos bairros clandestinos se iniciou com a elaboração dos planos de urbanização, acompanhados de perto pelos moradores desses bairros. Esta participação democrática na resolução dos seus problemas foi decisiva para a criação de uma consciência colectiva da população que depois se reflectiu em muitas outras iniciativas públicas. Note-se que nestes bairros vivia a maior parte da população da cidade, com um fraco nível de vida.

Os resultados eleitorais para a autarquia e os resultados eleitorais para a Assembleia da República mantiveram-se, ao longo de uma década, muito equiparados numérica e percentualmente. Porém, a partir de 1985 com a eleição que deu origem ao governo de Cavaco Silva, de direita, os resultados eleitorais da coligação comunista, no município de Évora, para a Assembleia da República, foram baixando em sucessivas eleições, até 2002. Apesar do avanço contra-revolucionário no país e dos reflexos no Alentejo, a coligação comunista na autarquia de Évora continuou a afirmar-se e a garantir uma vivência democrática e de participação alargada dos cidadãos na gestão da coisa pública, num projecto claro de desenvolvimento integrado.

Os resultados eleitorais da coligação comunista (CDU) para a autarquia que chegaram a atingir 59% em 1993, continuaram a manter-se sempre acima dos 40%; não fosse a concentração dos votos de toda a direita no PS, nas eleições de 2001, a CDU continuaria a manter a Câmara Municipal de Évora.

O desenvolvimento de Évora foi levado a cabo de uma forma harmoniosa, integrada e sustentável. Logo nos primeiros tempos de gestão democrática se avançou para um Plano Director Municipal (PDM), o primeiro aprovado pelo governo em Portugal, elaborado com a participação da população não só através das suas estruturas representativas, como da auscultação directa dos cidadãos. Esse PDM levou 2 anos a elaborar.

Uma equipa polivalente, escolhida em concurso público, comprometeu-se a realizar todos contactos com a população, obrigatoriamente com a participação dos eleitos da câmara – um dos princípios básicos da coligação comunista na gestão autárquica: a ligação permanente dos eleitos à população. Este Plano foi cumprido rigorosamente, ao longo de anos, com grande transparência e disponibilidade de justificação caso a caso, assegurando o respeito pelos direitos de cidadania.

A qualidade de vida no município de Évora melhorou substancialmente de ano para ano, com grande economia de esforços pela convergência proporcionada pelo cumprimento rigoroso do PDM, sem conivências nem favores particulares, prevalecendo o interesse colectivo da sociedade sobre os interesses particulares.

Já neste ano de 2004, um jornal semanário de grande tiragem em Portugal (Expresso) publicou um trabalho comparativo da qualidade de vida das cidades portuguesas, através de 15 «itens». Sintomaticamente, chegaram à conclusão que Évora é a cidade com melhor qualidade de vida em Portugal. Ninguém de boa fé poderá pensar que tal se deveu aos dois anos da nova gestão autárquica da responsabilidade do Partido Socialista, pois que todos os indicadores utilizados no estudo se reportavam à estrutura da cidade, gerida pelos comunistas durante os 25 anos anteriores, desde as primeiras eleições democráticas, realizadas em 1976.

Passado o período inicial de infra estruturação básica de todo o município e de um longo percurso de funcionamento democrático da autarquia, foi possível levar por diante a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento da Cidade de Évora. Foi, de facto, o aprofundar de toda uma vivência democrática reconhecida por toda a gente. Não sendo um plano obrigatório pela legislação portuguesa e tratando-se de uma parceria voluntária proposta pela Câmara e a que aderiram a Comissão de Coordenação Regional (governamental), a União dos Sindicato, uma Organização de Empresários, um agente cultural e a Universidade, com grande diversidade político-partidária dos seus responsáveis, foi possível trabalhar durante dois anos e elaborar, em conjunto, uma estratégia para o desenvolvimento da cidade de Évora. Isto só foi possível dado o nível de vivência democrática que Évora atingira.

Outro exemplo de parceria significativa, foi a constituição do Mercado Abastecedor de Évora com a participação do governo, da autarquia, dos representantes dos proprietários agricultores latifundiários e dos representantes das Cooperativas da Reforma Agrária, ficando a porta aberta à entrada da organização dos pequenos e médios agricultores. É de notar que só a estabilidade da vida democrática no município de Évora é que foi possível ultrapassar o forte antagonismo proveniente do processo da RA e criar-se esta parceria.

Veja-se, hoje, como a alteração da correlação de forças e a mudança da cor política da autarquia da CDU para o PS, em menos de três anos fez regredir toda essa dinâmica instalada dia a dia, mês a mês, ano a ano, que potenciara as apetências locais e estimulara a convergência de esforços para a consecução dos objectivos estratégicos, assentando num rigoroso cumprimento dos planos e regulamentos elaborados com a participação da população do município.

Atingida uma razoável qualidade média de vida da população, na entrada século XXI, o município de Évora com a mudança da cor política da autarquia começa a ver introduzir-se um novo padrão de valores e costumes, perspectivada para a social-democracia inconsequente e para o neoliberalismo, cavando novamente um fosso entre a população trabalhadora e a classe burguesa privilegiada. Évora é hoje uma sociedade onde se nota já a perda da vivência democrática e dos direitos de cidadania, um significativo aumento do desemprego e uma escassa resposta às necessidades de aumento da produção.

É um município com uma agricultura fortemente condicionada e uma entrega, em larga escala, da terra aos estrangeiros, com imensas áreas abandonadas; no plano da prática política, é evidente uma discriminação partidária das autarquias por parte dos governos que ostensivamente favorecem os da sua cor política.

Todas estas determinantes provocaram e provocam necessariamente uma profunda alteração no sentido do voto dos cidadãos. Subjugados que estão por uma forte dependência social e pelo patamar de qualidade de vida que atingiram com a democracia participativa e absorvidos pelo consumismo ao longo de quase 30 anos de política nacional social-democrata de subordinação aos interesses do grande capital nacional e sobretudo estrangeiro, a população eborense está na realidade fortemente manietada.

Começa já a ser notório o tratamento diferenciado dos cidadãos por parte da autarquia. A proposta da actual maioria autárquica de revisão do PDM evidencia claramente a opção de cedência aos interesses particulares com grave prejuízo do interesse público.

O reconhecimento nacional de uma política urbanística exemplar praticada pela coligação comunista no município de Évora está agora confrontado com graves constatações: aumento ilógico e ao arrepio das orientações nacionais do perímetro urbano da cidade; desistência da construção de um Parque Urbano, transformação de alguns espaços verdes e de lazer em betão armado, na mira de proporcionar elevados lucros a alguns construtores em detrimento do bem público, abandono da regra de valoração igual (perequação) para todos os terrenos dentro do perímetro urbano.

Só com o retorno à vivência democrática e à participação do cidadão na vida pública será possível fazer regredir este estado de coisas e voltar a ganhar as perspectivas de desenvolvimento económico integrado, de bem-estar generalizado para toda a população.

A democracia participativa é de facto o garante do Poder Local Democrático.

Évora, Setembro, 2004
Ponencia presentada en el
Encuentro Internacional Civilización o Barbarie: Desafíos y problemas del mundo contemporáneo